NOTA DO BLOG: A reprodução do artigo de Frei Betto nos serve
de alento sobre a preocupação que temos a respeito do nosso radicalismo, ou do
radicalismo do cristianismo em si, contra os mulçumanos nesse momento que o
extremismo islâmico apronta as suas contra o ocidente.
LEIA E REFLITA
23/07/2016 4:30
Espiritualidade muçulmana
Fomentar o preconceito é ceder ao jogo maniqueísta do
terrorismo e rechaçar uma tradição rica em sabedoria
Os excessos de segmentos do islamismo não devem ser
confundidos com a religião que professam, assim como as Cruzadas e a Inquisição
não expressam a essência do Cristianismo, muito pelo contrário.
Islã significa “submissão” a Deus (Alá). Abraão foi o
primeiro submisso (muslim = muçulmano) e depois teve como seguidores de sua
espiritualidade (islam) José, os profetas do Antigo Testamento e Jesus.
Esse monoteísmo abraâmico teria sido deturpado por hebreus e
cristãos. Porém, no século VII, o profeta Maomé o restituiu à sua pureza
original após ter recebido de Alá, por via do anjo Gabriel, o Alcorão (que
significa “livro por excelência”).
Trata-se de um belo poema, todo em dialeto árabe, harmônico
em suas rimas e assonâncias, cujas traduções não expressam sua musicalidade. Ao
contrário da Bíblia, que judeus e cristãos consideram inspirada por Deus, o
Alcorão teria sido ditado. Equivale, para os muçulmanos, ao mesmo que o
Evangelho para os cristãos.
Os discípulos de Maomé se dividem, basicamente, entre
sunitas, a maioria, que se consideram fiéis ao fundador do islamismo, e xiitas,
seguidores de Ali, pois consideram este primo e genro do Profeta o que melhor
vivenciou o que o sogro vislumbrou. Ao contrário do que se pensa, hoje os que
abraçam o fundamentalismo na política são predominantemente sunitas, e não
xiitas.
A religião muçulmana atrai tantos fiéis graças à sua
simplicidade. Dispensa hierarquias, não incute culpa e exige obediência
inquestionável a seus preceitos. Sua espiritualidade se apoia em cinco pilares:
crer que não há outro Deus senão o que enviou Maomé; orar cinco vezes ao dia;
dar esmolas; jejuar no mês do Ramadã (o nono mês do calendário islâmico); e
fazer peregrinação a Meca.
Os muçulmanos têm fé em Deus, nos Profetas, nas Sagradas
Escrituras (incluindo o Evangelho), na predestinação (não no fatalismo), na
ressurreição e no Juízo Final.
A Jihad, que literalmente significa “empenho no caminho de
Deus” e não guerra santa, implica em defender a religião e os territórios
muçulmanos. Os terroristas, contudo, a alardeiam para justificar sua
interpretação fundamentalista, embora o adjetivo “muslim” (= muçulmano)
signifique “pacífico”.
A espiritualidade islâmica é rica em tradições místicas,
como os sufistas. “O sufi é um bêbado sem vinho; um saciado sem comida; um
tresloucado sem alimento e sono; um rei em manto humilde; um tesouro dentro de
ruína; não é feito de ar, terra ou fogo; é um mar sem limites” (Rumî
[1207-1273]). Os poemas de Rumî são de profunda densidade espiritual, o que faz
pensar que talvez tenham sido lidos por místicos cristãos como Mestre Eckhart e
João da Cruz.
Fomentar o preconceito aos muçulmanos é ceder ao jogo
maniqueísta do terrorismo e rechaçar uma tradição rica em sabedoria e
espiritualidade. Há que separar o joio do trigo. E convém recordar que foi o
Ocidente “cristão” que exterminou os indígenas da América Latina, promoveu a
escravidão, expandiu o colonialismo, desencadeou duas Grandes Guerras e, hoje,
idolatra o capital acima dos direitos humanos.
Frei Betto é escritor, autor de “Um Deus muito humano”
(Fontanar), entre outros livros
Leia mais sobre esse assunto em
http://oglobo.globo.com/sociedade/espiritualidade-muculmana-19769814#ixzz4FGBZJl3P
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